Vivemos em um tempo paradoxal: nunca estivemos tão conectados — e ao mesmo tempo, tão distantes uns dos outros. Essa hiperconexão, marcada pela presença constante da tecnologia, tem transformado profundamente as relações humanas e, com elas, a maneira como as crianças vivenciam o brincar.
Pergunte a qualquer adulto se as crianças de hoje ainda brincam. A resposta, quase unânime, é um "não" carregado de nostalgia e preocupação. Mas a verdade é que o brincar não desapareceu — ele apenas mudou de forma, espaço e contexto. Toda criança precisa brincar. Brincar é existir.
Ainda que os dispositivos tecnológicos estejam cada vez mais presentes na rotina infantil, seu uso, em boa parte das vezes, está a serviço da ludicidade. Crianças não pegam espontaneamente um celular para estudar fórmulas ou resolver equações. Elas buscam, antes de tudo, brincar.
O problema, portanto, não está na vontade de brincar — mas na falta de repertório, de espaços e de conexões reais. Com a rotina cada vez mais atribulada das famílias, e a ausência de momentos coletivos, as crianças perdem oportunidades preciosas de experimentar o brincar livre, espontâneo, construído com o outro.
Como nos lembra o provérbio africano: “É preciso uma aldeia para criar uma criança”. E, como complemento, ouso dizer: sem crianças, não há mais aldeia. O brincar é uma manifestação cultural coletiva — e precisa ser preservado como tal.
Nesse cenário, a escola assume um papel fundamental. Mais do que espaço de aprendizagem formal, ela precisa ser também o território da ludicidade. Todos os profissionais da educação — e não apenas aqueles ligados à Educação Física ou à Pedagogia — são chamados a ser ponte entre as crianças e as possibilidades de brincar. Oferecer tempo, espaço e liberdade para a brincadeira é oferecer pertencimento, saúde emocional, criatividade e sociabilidade.
A cultura do brincar precisa ser resgatada como prática cotidiana, e não como evento esporádico. Precisa pertencer às crianças — e não ser controlada ou determinada exclusivamente por adultos. É necessário criar ambientes de troca intergeracional, onde pais, avós, professores e alunos compartilhem vivências lúdicas, reafirmando os laços que nos constituem como seres humanos.
Lydia Hortélio nos lembra com sabedoria: “É preciso brincar para afirmar a vida”. Se o brincar desaparece, o que sobra da infância? O que sobra de nós?
E Lev Vygotsky reforça: “É através dos outros que nos tornamos nós mesmos”. O brincar, enquanto encontro, troca e invenção coletiva, é o caminho para que continuemos a nos tornar humanos.
Incentivar o brincar é mais do que defender a infância. É defender a vida em sua forma mais plena.
Finalizo com um verso que ecoa como apelo e como esperança, nas palavras de Carlos Drummond de Andrade:
“Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo;
se é triste ver meninos sem escola,
mais triste ainda é vê-los sentados, enfileirados em salas sem ar,
com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem.”
Texto por: Cristiano dos Santos